18/09/2013
“AI!!!
QUE SAUDADE ME DÁ!!!"
Eu – te – fa – lei – pra – não – su – jar – essa – rou – pa – de
– pas – sei – ôôô !!!
Quem nunca teve uma lição doméstica de Língua Portuguesa, com
mamãe ensinando separar sílabas – acompanhado de varadas assoviando nas pernas
(sempre com ênfase na última sílaba)???
Pois é...
Na dita praça do Monsenhor João Oenning, antigamente era um
grande espaço vazio, sem cruzeiro e sem estátua do Padre João. Quando não
estava ocupada pelos ciganos que “vendiam tachos, compravam cobre, roubavam crianças e
liam a sorte”, era então ocupada pelos Circos itinerantes, que viajavam de
cidade em cidade. Chegavam ali e instalavam suas barracas de lona enquanto o
carro percorria as ruas anunciando o espetáculo, ao som da música de Silvio
Brito: “Tem que pagar pra nascer, tem que pagar pra viver, tem que pagar pra
morrer... Tá tudo erradôo, tá tudo errado!” Mas o espetáculo em si já começava
logo no anúncio, porque acompanhando o carro do circo, também ia o gigante das pernas de pau – que pra mim
parecia mais alto do que os postes da rua, as meninas da baliza, o anão e a
moça do bambolê; o velho leão sem dentes, o camelo e os cavalos. E toda a
criançada gritando e os cachorros da Cidade Velha correndo atrás e rolando na
poeira das ruas!!!
E por causa disso, as vezes a gente ouvia outra “lição de
sílabas”, quando chegávamos em casa de tardezinha...
Descendo a rua, havia a minúscula padaria do “seo” Luiz Padeiro,
sogro do Zé Osvaldo. Era do lado esquerdo da rua, conjugada a casa, com porta dupla de madeira que fechava por dentro
com taramela. As casas da Cidade Velha naquele tempo eram interessantes, apenas
algumas possuíam vitrôs ou venezianas. Mas a maioria era de tijolos de adobe
assentados com barro; e no teto forros de esteira de bambu, as portas e as
janelas de madeira maciça, fechadas por dentro com taramelas e travões. Apenas
a porta da rua possuía alguma fechadura.
A instalação de luz dentro de casa era precária, nada de
interruptor ou tomadas embutidos na parede, não existiam ainda as normas de
instalação da NBR. Acendíamos a luz fazendo uso de uma “pêra” – pra quem não
conheceu, era um dispositivo liga/desliga que ficava pendurado na parede. E foi
num estabelecimento desse tipo que “seo” Luiz vendia o pão que assava todos os
dias... Ouvi dizer que ali outrora foi um açougue. E alguns anos depois, quando
“seo” Luiz se mudou, nesse mesmo local haveria de ser temperada a carne do
churrasco que foi servido na posse do Prefeito Orlando Amaral. Tenho o orgulho
de vos dizer que todo limão-rosa que foi usado naquela carne saiu do nosso
quintal, pois nessa época do ocorrido, a gente já morava numa casa bem de
frente.
E na esquina havia a barbearia do carcereiro Cidinho funcionando
a todo vapor. Diziam que Cidinho tinha um modo peculiar de cortar cabelo da
meninada: Ele enfiava uma panela na cabeça dos meninos e assim fazia o molde do
corte de cabelo. Não sei se era verdade, mas lembro bem da molecada com a
cabeça rapada e só uma franjinha de cabelo no alto da cabeça, parecendo aqueles
franguinhos de pescoço pelado, corte de cabelo no estilo mamão-garapa... Também
isso era “causos” do Guapé!!
Tinha o armazém do Zé Buck que vendia fumo de corda, sabão em
pó, arroz, feijão, banha de porco e açúcar cristal TUDO A GRANEL!! Prática
impensável nos dias de hoje! A padaria
Nsa.Sra.Aparecida – vulgo Padaria do Pão Mucho, pertencia ao Sr. João Padeiro
que numa charrete puxada a cavalo, distribuía por toda a cidade nos butecos,
vendas, armazéns e mercearias tudo quanto é tipo de pão: Pão-doce, pão de
queijo, rosca com desenhos de jacaré ou de tatu, pão sovado, marta-rocha,
boca-aberta e o famoso “pão-de-sal mucho”...
Lembro que pedras sextavadas de cimento cobriram o chão de terra
de algumas ruas de Guapé em meados de
1975 ou 1976, quando a instalação da Fábrica de Blocos naquele galpão enorme da
Rua Guanabara – que um dia já foi Mercado Municipal – voltou a funcionar... E
nossa Rua 3 de Fevereiro recebeu seu calçamento nessa época.
E mesmo assim, quando trocaram os postes e instalaram aqueles de
cimento pré-moldados com lâmpadas de mercúrio – e vimos o progresso chegando
aos poucos – mesmo assim nossa rua conservou ainda por muitos e muitos anos
aqueles PASSEIOS DE PEDRA MINEIRA – que entremeadas de capim quebra-pedra,
caprichosamente ornaram o espaço que havia entre o meio-fio e as nossas casas,
desde as primeiras casas na entrada da cidade até a última casa lá nas beiras
da represa...
A Rua 3 de Fevereiro em dias de glória foi portal de entrada de
uma próspera cidade antes da represa chegar. Quando me mudei pra cidade, muitos
pontos de comércio se encontravam fechados ali. Ainda havia os casarões que
outrora exerceram comércio, como aquele da família dos Maia ou aquele do “seo”
Epiphânio e Sá Maria – que hoje se transformou em Museu, ou ainda o casarão de
esquina do Sr. Antônio Abrão turco, que com suas portas de madeira ou de aço
permaneciam melancolicamente fechadas, e eram testemunhas mudas do tempo em que
havia florescente comércio e que há muito se foram embora.
E a
rua continuava descendo em direção à represa e nela mergulhava abruptamente,
como se ainda quisesse – desesperada, entrar por ela e resgatar a vivacidade, os
movimentos e a circulação das pessoas que tantas vezes andaram por lá,
atravessando a cidade agora submersa.
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