quarta-feira, 15 de abril de 2015

6º Divagações...

18/10/2013
 ...ENTÃO HOJE AMANHECI MUSICAL:

Amanheci lembrando que em certa época do ano se ouvia sempre bem de manhã dos auto-falantes da Igreja a música “Obrigado ao Homem do Campo”
Era costume do Padre João fazer essa homenagem.
Nosso homem do campo perdeu muitas de suas características desde então. O Fazendeiro Latifundiário se mudou pra cidade grande, anda de Hilux e se comunica com o capataz pelo rádio-amador. Veste botina e chapéu só nos feriados, quando vem passar uns dias na propriedade. Ele esqueceu o que é andar de cavalo.

Os pequenos agricultores – onde a família ainda planta pra subsistência – não conseguem  nunca uma colheita expressiva, que possa “alimentar e vestir o Brasil” como se fala na música. E depois da TV e da Internet, também pouco restou da "raíz da cultura, da fé e dos costumes", como cantavam Dom & Ravel na sua canção.

Na cidade, Dna.Lurdes do Zé Costela nos vendia o alface, almeirão, couve, repolho e cheiro verde a módicos Cr$5,00 cruzeiros. A banda inteira do porco incluindo o toucinho, podíamos comprar no bar do Gêra, que mantinha um criame de suínos no fundo do quintal. Acho que o dia de matar porcos era na 5ª feira. Lembro-me do João-mudinho que não podia andar, e vinha se arrastando sentado no chão até a porta desse armazém todos os dias. Ali, filava de alguém a sua cachacinha e passava as horas mornas da vida.

Vi uma foto do Nero e do Maurício no Jornal Bão de Prosa outro dia, e me lembrei que nunca houve aulas mais divertidas do que nas salas onde esses moleques estudavam. O Jorge, a Joelma, o Dinho & Companhia conseguiam afugentar o clima austero de qualquer disciplina. Uma vez, depois da chuva, estavam o Jorge Pio, o Nero do Zé Costela, o Neuder do Mário Rocha e mais uns meninos do povo do Cirino bem ali no passeio, de frente o bar do Gêra.
O que estavam fazendo?? Tinham colocado um cigarro na boca do sapo, e esperavam pra ver o bicho estourar! Do outro lado da rua na barbearia do Donato, todo mundo ficou na expectativa...

Certa vez os filhos mais velhos do Gêra aprontaram com o Donato. Lembra do Donato? Era um barbeiro que nas horas vagas também consertava relógios. Conseguia fazer o balancim do relógio funcionar de novo, mas usava no peito um marca-passo – o qual ele não pôde consertar e que lhe ceifou a vida muito cedo – uma pena! Pois é, certa vez prepararam um prato bem temperado, decerto havia farinha com pedaços de carne e aparência bem apetitosa... E o Donato sempre dizia que não comia qualquer coisa, mas naquele dia entrou de cara virada na panela. Depois contaram pra ele que aquilo era um cozido feito com o “membro” do boi... Essa estória eu fiquei sabendo porque estava outro dia cortando cabelo no salão do Donato e fiquei ouvindo a conversa deles depois dessa brincadeira! Aí só deu gente tirando sarro!

E assim se passaram os anos! Mudei-me pra Cidade Nova, mas descia todos os dias pra comprar leite no ponto de vendas da Teresinha Parula. Às vezes, cruzava o caminho com o Cláudio do Zé Dama, que também descia pro centro todos os dias com a vasilha de leite. O Cláudio era um homem-moleque, um rapaz que nunca cresceu por dentro e conservou a inocência infantil dentro da alma.

O Dão que trabalhava por ali, vendeu o açougue pro Zé Lair e comprou uma carroça. Também se mudou da Av.Brasil e foi morar lá no final da Rua 3 de Fevereiro.  A gente sabia onde o Dão estava a qualquer hora do dia! Bastava prestar atenção e escutar... Quando o Dão conversava, toda rua ouvia sua voz possante! E o Dão ia guiando a carroça e gritando alto com todo mundo na rua. E assim o tempo passou...

“O tempo passa, e com ele caminhamos todos juntos,
  Sem parar.
  Nossos passos pelo chão, vão ficar!
  Marcas do que se foi,
  Sonhos que vamos ter.
  Como todo dia nasce, novo em cada amanhecer...”

Obs:
Ao Dão sinto que devemos muita obrigação e meus agradecimentos:
Quando em 1974 nos mudamos de São Paulo para Guapé, chegamos a uma cidade interiorana com raízes culturais muito fortes, de um povo que seguia sua cultura e religiosidade ao extremo. Uma cidade amistosa, porém pouco aberta a forasteiros.
Nos sentimos estranhos... "Éramos como filhotes de Melro num ninho de Pássaros Pretos" e os motivos foram apenas isso: Éramos "gente de fora", pessoas vindas da Grande São Paulo, com costumes diferentes, sotaque diferente e confessávamos uma Fé diferente. Resumindo: Não tínhamos raízes nenhuma em Guapé!
Chegamos pobres e meu pai precisava urgentemente de um emprego para sustentar mulher e duas crianças: Minha mãe, eu e minha irmã Andréa.
O Dão nos acudiu, deu emprego ao meu pai. Na época, tocava um açougue e com muita paciência ensinou meu pai nessa nova profissão (em São Paulo meu pai foi Tecelão). A pedido do Dão, meu pai saía com a caminhonete - suponho que fosse de propriedade do Dão, e ia buscar o gado nas fazendas. Gado para o abate, que depois era levado ao açougue e escarneado.
Um bom tempo meu pai trabalhou ali - foi o seu primeiro emprego na Cidade. E dali tirou sustento para nós.
Desse senhor, guardo a lembrança de uma pessoa alegre, bem-humorada, de bem com a vida. Tinha uma família e crianças pequenas. Também era pobre e com certeza sabia o quanto dói ver uma mesa vazia.
Tempos difíceis foram aqueles, porém nunca nos faltou um pequeno bife sobre a mesa nem um pedaço de carne de panela. O meu pai foi açougueiro do Dão!

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