18/10/2013
...ENTÃO HOJE AMANHECI MUSICAL:
Amanheci lembrando que em certa época do ano se ouvia sempre bem
de manhã dos auto-falantes da Igreja a música “Obrigado ao Homem do Campo”
Era costume do Padre João fazer essa homenagem.
Nosso homem do campo perdeu muitas de suas características desde
então. O Fazendeiro Latifundiário se mudou pra cidade grande, anda de Hilux e
se comunica com o capataz pelo rádio-amador. Veste botina e chapéu só nos
feriados, quando vem passar uns dias na propriedade. Ele esqueceu o que é andar
de cavalo.
Os pequenos agricultores – onde a família ainda planta pra
subsistência – não conseguem nunca uma
colheita expressiva, que possa “alimentar e vestir o Brasil” como se fala na
música. E depois da TV e da Internet, também pouco restou da "raíz da
cultura, da fé e dos costumes", como cantavam Dom & Ravel na sua canção.
Na cidade, Dna.Lurdes do Zé Costela nos vendia o alface,
almeirão, couve, repolho e cheiro verde a módicos Cr$5,00 cruzeiros. A banda
inteira do porco incluindo o toucinho, podíamos comprar no bar do Gêra, que
mantinha um criame de suínos no fundo do quintal. Acho que o dia de matar
porcos era na 5ª feira. Lembro-me do João-mudinho que não podia andar, e vinha
se arrastando sentado no chão até a porta desse armazém todos os dias. Ali,
filava de alguém a sua cachacinha e passava as horas mornas da vida.
Vi uma foto do Nero e do Maurício no Jornal Bão de Prosa outro
dia, e me lembrei que nunca houve aulas mais divertidas do que nas salas onde
esses moleques estudavam. O Jorge, a Joelma, o Dinho & Companhia conseguiam
afugentar o clima austero de qualquer disciplina. Uma vez, depois da chuva, estavam
o Jorge Pio, o Nero do Zé Costela, o Neuder do Mário Rocha e mais uns meninos
do povo do Cirino bem ali no passeio, de frente o bar do Gêra.
O que estavam fazendo?? Tinham colocado um cigarro na boca do
sapo, e esperavam pra ver o bicho estourar! Do outro lado da rua na barbearia
do Donato, todo mundo ficou na expectativa...
Certa vez os filhos mais velhos do Gêra aprontaram com o Donato.
Lembra do Donato? Era um barbeiro que nas horas vagas também consertava
relógios. Conseguia fazer o balancim do relógio funcionar de novo, mas usava no
peito um marca-passo – o qual ele não pôde consertar e que lhe ceifou a vida
muito cedo – uma pena! Pois é, certa vez prepararam um prato bem temperado,
decerto havia farinha com pedaços de carne e aparência bem apetitosa... E o Donato
sempre dizia que não comia qualquer coisa, mas naquele dia entrou de cara
virada na panela. Depois contaram pra ele que aquilo era um cozido feito com o
“membro” do boi... Essa estória eu fiquei sabendo porque estava outro dia
cortando cabelo no salão do Donato e fiquei ouvindo a conversa deles depois
dessa brincadeira! Aí só deu gente tirando sarro!
E assim se passaram os anos! Mudei-me pra Cidade Nova, mas
descia todos os dias pra comprar leite no ponto de vendas da Teresinha Parula.
Às vezes, cruzava o caminho com o Cláudio do Zé Dama, que também descia pro
centro todos os dias com a vasilha de leite. O Cláudio era um homem-moleque, um
rapaz que nunca cresceu por dentro e conservou a inocência infantil dentro da
alma.
O Dão que trabalhava por ali, vendeu o açougue pro Zé Lair e
comprou uma carroça. Também se mudou da Av.Brasil e foi morar lá no final da
Rua 3 de Fevereiro. A gente sabia onde o
Dão estava a qualquer hora do dia! Bastava prestar atenção e escutar... Quando
o Dão conversava, toda rua ouvia sua voz possante! E o Dão ia guiando a carroça
e gritando alto com todo mundo na rua. E assim o tempo passou...
“O tempo passa, e com ele caminhamos todos juntos,
Sem parar.
Nossos passos pelo chão, vão ficar!
Marcas do que se foi,
Sonhos que vamos ter.
Como
todo dia nasce, novo em cada amanhecer...”Obs:
Ao Dão sinto que devemos muita obrigação e meus agradecimentos:
Quando em 1974 nos mudamos de São Paulo para Guapé, chegamos a uma cidade interiorana com raízes culturais muito fortes, de um povo que seguia sua cultura e religiosidade ao extremo. Uma cidade amistosa, porém pouco aberta a forasteiros.
Nos sentimos estranhos... "Éramos como filhotes de Melro num ninho de Pássaros Pretos" e os motivos foram apenas isso: Éramos "gente de fora", pessoas vindas da Grande São Paulo, com costumes diferentes, sotaque diferente e confessávamos uma Fé diferente. Resumindo: Não tínhamos raízes nenhuma em Guapé!
Chegamos pobres e meu pai precisava urgentemente de um emprego para sustentar mulher e duas crianças: Minha mãe, eu e minha irmã Andréa.
O Dão nos acudiu, deu emprego ao meu pai. Na época, tocava um açougue e com muita paciência ensinou meu pai nessa nova profissão (em São Paulo meu pai foi Tecelão). A pedido do Dão, meu pai saía com a caminhonete - suponho que fosse de propriedade do Dão, e ia buscar o gado nas fazendas. Gado para o abate, que depois era levado ao açougue e escarneado.
Um bom tempo meu pai trabalhou ali - foi o seu primeiro emprego na Cidade. E dali tirou sustento para nós.
Desse senhor, guardo a lembrança de uma pessoa alegre, bem-humorada, de bem com a vida. Tinha uma família e crianças pequenas. Também era pobre e com certeza sabia o quanto dói ver uma mesa vazia.
Tempos difíceis foram aqueles, porém nunca nos faltou um pequeno bife sobre a mesa nem um pedaço de carne de panela. O meu pai foi açougueiro do Dão!
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