26/01/2014
Coração Amargurado
Hoje, revirando álbuns de meus amigos, olhando
fotos antigas e matando saudades, busquei notícias de pessoas e amigos que há
muito tempo não via, pessoas que o passado de duas décadas e meia nos tornou
longínquos – ainda que distantes fisicamente e no tempo, mas guardados no
coração.
Lembro de quando trabalhei na Fazenda, em Volta
Grande, lembro de quando fui encarregado de levar adubo com trator e carreta, e
distribuí-lo nas sacolas dos trabalhadores braçais, que percorriam rua por rua
aquele enorme, gigantesco cafezal, espalhando Ureia e Cloreto de Potássio sob
os pés de café...
Lembro que ela foi deficiente desde o nascimento, e
tinha dificuldades de andar por causa de um de seus pés... E se hoje reclamamos
das calçadas imperfeitas e das ruas asfaltadas, imagina naquele tempo, a
situação de quem tinha dificuldades de locomoção, mas precisava enfrentar a
roça pra sobreviver!! percorrer a lavoura muitas vezes em declive, com as
roupas em farrapos, carcomida pelo adubo, carregando uma sacola quente de
plástico à tiracolo, cheia de adubo pra espalhar no solo do cafezal... Mas ela
enfrentava assim mesmo, foi muito corajosa e responsável, cuidava da casa onde
seu pai “Tião Chiquinha” adoecido sem poder trabalhar, dependia do pão que ela
podia trazer pra dentro de casa.
Quando era eu a distribuir o adubo, sempre colocava
uma porção bem menor em sua sacola, pois sabia que a dificuldade dela era
dobrada, em relação a seus companheiros... MAS COMO EU ADMIRAVA A MARCIONE!!
mais nova do que eu naquela adolescência, mulatinha de traços delicados, quase
franzina, mas com garra e coragem bem maiores do que muitos rapazes, sempre
trabalhando com afinco na imensidão do cafezal, se apoiando no único pé bom que
a natureza lhe deu... Não abria a boca pra nada, não reclamava.
Mesmo quando não era eu, mas sim outro peão que
levava o adubo para o meio da roça – e insensível – carregava sua sacola com
mesmo tanto dos outros sem se aperceber das dificuldades que ela enfrentava,
mesmo assim ela sempre lutou pra acompanhar suas companheiras e fazer jus ao
minguado salário da roça, sem nunca reclamar, sem nunca desistir...
Então hoje conversando com a Elizabeth Sallum, cujo
pai tem fazenda por lá, buscando notícias de todo mundo, ao perguntar também
sobre ela, esperava ouvir qualquer coisa, esperava ouvir que se mudou pra
cidade, ou que permanecera na roça, que estava casada, viúva ou solteira, que
tinha filhos e uma bonita família, que tinha melhorado de vida e até ficado
rica. Ou continuado pobre, cuidando de seu pai doente... Esperava até ouvir que
continuava do mesmo jeito de sempre...
Esperava ouvir tudo, mas não esperava jamais ouvir
que já fazem dois anos que faleceu... Deixou quatro filhos no mundo.
Pra alguns a vida é longa e suave. Mas pra outros,
pode ser curta e cheia de espinhos...
E dói bastante receber essas notícias...
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