domingo, 19 de fevereiro de 2017

18º Bosque Solidão


“Nesta rua, nesta rua, tem um Bosque
Que se chama, que se chama Solidão...”

A cantiga de roda com origem no Folclore, já tem o nome de seus compositores perdidos no tempo.
Mas a cantiga fala de um Bosque quase vazio (pois dentro dele mora apenas um Anjo) e por isso tem o nome de Solidão.
Com um quê de melancolia, imaginávamos quando crianças ao ouvir a canção, um lugar sombrio, solitário e escuro; uma mistura da natureza dos pântanos com o silêncio dos cemitérios.
Assim como se perdeu no tempo o nome do compositor, perdeu-se também a localização geográfica do Bosque.
Ou não!
Pois quem vai da "Cidade Velha" para a "Cidade Nova", lá em Guapé, seguindo o caminho pelas ruas abaixo da Avenida Brasil, passará no trajeto pela Rua Prof. Ataliba Lago. E seguindo, sobe-se em direção à Cidade Nova caminhando ao lado da cerca de arames que resguarda a solidão de um Bosque!
Desde quando mudei para o Guapé, sei da existência do Bosque. Mas nunca soube a sua origem: de quem foi o projeto, quem o formou, cercou, pavimentou e separou-o da cidade com um portão sempre trancado!
Refúgio dos passarinhos e de muitos animais silvestres, o Bosque formado em sua maior parte por pequenos pinheiros parece esconder também dentro de si muitos segredos... Ou, pelo menos, é isto que a imaginação nos faz crer!
A meio caminho entre os dois bairros, esse espaço, que é vazio de pessoas mas repleto de silêncios, algumas vezes foi percorrido pelas pernas infantis de crianças curiosas, que invadiam-no, à procura de ninhos de passarinhos e pés de gabiroba. Desrespeitando o Portão, invadíamos o Bosque. Havia um caminho semioculto por folhas mortas que levavam na direção de uma praça, ou algo parecido com isso. As lembranças são difusas porque a gente não se detinha muito tempo por lá. Quando crianças, temíamos o silêncio e eu tinha medo dos espíritos do Bosque, que talvez poderiam, na solidão, morar ali...
Se o Bosque era cercado de um lado (aquele virado para a Rua), ele morria à beira da Represa no outro extremo, e ainda acabava abruptamente na outra banda, no precipício do “Buracão”.
Buracão: era outro lugar tão singular e tão pouco conhecido dos adultos...
Ah!... Dos adultos sim, porque a molecada do Grupo Primário muitas vezes se aventurava descendo aqueles barrancos tão altos e conheciam-no palmo a palmo, e ali brincávamos muitas vezes de pique-esconde, polícia e bandido, etc. Era um lugar perigoso, de barrancos traiçoeiros, ocultando às vezes o ninho de cobras, mas as crianças desconhecem o perigo. Muitas vezes levei para casa o barro colorido daquele lugar (chamávamos de “tabatinga”). Era barro amarelo, barro rosado, negro e até mesmo azulado...
Não sei porque o Bosque era fechado. Nem sei porque nunca terminaram de formá-lo, pois faltavam bancos e mais caminhos pavimentados, que dessem a ele um ar de bosque de verdade.
Só sei que era um Bosque vazio, esquecido das pessoas.
Talvez, com seu Portão carrancudo e fechado, o Bosque procurasse guardar seu segredo... Mas que segredo? Talvez tentasse, ao ficar isolado, manter longe das pessoas o perigo do Buracão!
Hoje moro longe, muito longe daquele lugar...
Já não sei mais que fim teve o Bosque, se ainda existe ou não. Só sei que as coisas mudam. Até o nome das ruas mudam! E assim, se perde no tempo e na geografia aquilo que existiu no passado!
Mas o Bosque ainda me lembra uma fase feliz, a idade infantil, quando crianças em bandos de cinco ou seis, gostávamos de explorar terrenos, brincando, se aventurando, levando estilingues...
E será que igual na Cantiga, se este Bosque ainda existir, também guarda dentro de si algum Anjo?
Também não sei...
E se guarda, então para mim esse Anjo se chama Saudade, pois a lembrança do Bosque evoca saudades da Infância... Uma infância em que parte dela ficou no tempo, junto com o Bosque.
O meu Bosque, chamado Solidão...

Marcelo Lagoa de Almeida, 19 de Fevereiro de 2017