domingo, 3 de outubro de 2021

26º Sr. Oswaldo e a "Macchina Zaccarias"

 Achei estranho, aqui pros lados onde moro agora, ninguém dar notícias de ZACCARIAS… 

Pior ainda: Foi mostrar a foto e ouvir uma interjeição de exclamação, de pessoas que sequer tinham noção do que se tratava aquilo!… 

Mas, incrédulo mesmo, eu fiquei ao dizer que na ausência dela, muita gente fica sem um prato de arroz na mesa, e ver a expressão de dúvida na cara das pessoas!

Zaccarias nada mais é que… Não, não! Não falo do humorista que fez nossa alegria aos domingos! Não é dele que estou falando!

Na verdade eu falo de algo que existia nas cidades e fazendas onde o plantio de arroz era comum.

Por aqui onde eu moro as terras são boas para o plantio; terras ricas, produtivas, mas ainda que se plante arroz aqui ou acolá, são colhidos por maquinários modernos e depois transportados à granel até as grandes empresas que ficam em áreas industriais.

Depois, só saem de lá em fardos ou pacotes diretamente às distribuidoras ou pontos de comércio na zona urbana.

E assim a população perdeu por completo aquele contato, onde se podia trazer um saco de arroz em casca direto do sítio e depois retirá-lo já beneficiado, quase pronto para o consumo… 

Mas eu tive a felicidade de conhecer na minha infância essas grandes e primitivas máquinas de beneficiar arroz (Macchinas Zaccarias)! 😉

Na cidadezinha onde eu morei escutava-se diariamente o “tchaco-tchaco” das peneiras e o ronco poderoso do motor dessas imensas máquinas, que precisavam de um galpão dedicado apenas para abrigá-las, de tão grandes que eram!

E foi assim que me vi pela primeira vez dando cambalhotas e enterrando os pés na palha ardente, de um monturo de cascas atrás da “máquina de limpar arroz”, quase na saída da cidade, aos meus seis anos de idade.

Depois de algumas andanças pela Cidade, morando de cadinho em cadinho em casas de aluguel, fui parar na Rua Três de Fevereiro, logo acima da Rua Boa Esperança.

E foi na Rua Boa Esperança, quase em frente a casa da Professora Maria Nilza que eu descobri, para minha sorte (ou azar) que havia outra máquina dessas!

Mais acanhado e mais rodeado de casas da área urbana, o estabelecimento comercial guardava sua palha atrás dos muros, longe da fuzarca da molecada, monturos de palha que de longe eu via, mas que nunca tive acesso… 

Mesmo assim, ao voltar da Escola eu gostava de parar e “dar uma esticadinha” até lá dentro, pra observar as imensas polias que giravam loucamente através de correias, a balançar e sacolejar o arroz até que sua palha fosse inteiramente arrancada. E aquela poeira, de cheiro e sabor adocicado, extraído do “farelo”, que papai de vez em quando pedia para buscar, para dar de comer aos porcos de nosso quintal.

No princípio eram o Pio e o Oswaldo. Ficavam por vezes sentados nos altos degraus que davam pra rua, a bater papo enquanto a máquina trabalhava por eles dentro do galpão.

As lembranças são confusas e apagadas… Mas eu falo de um tempo que vivi há 44 anos passados…

Mas das lembranças que eu tenho (e por favor me corrijam, se eu estiver errado), o Pio era um senhor mais baixo e estava sempre de boné, enquanto o Oswaldo era um senhor alto e magrelo, de cabelos grisalhos. Acho que foram sócios na antiga Máquina de Arroz.

E o tempo passou, arrastou com ele objetos e pessoas…

E o Pio foi levado primeiro. Morava, creio eu, ao lado da Máquina de limpar arroz. Se foi entre o final da década de 70 ou começo de 80, de mal súbito, enfarto fulminante, segundo as notícias que eu guardei na lembrança desde aqueles tempos.

E o Oswaldo continuou na tradição – e na necessidade mesmo – de se manter um estabelecimento com a máquina de limpar arroz funcionando dentro da Cidade.

Hoje, porém, tenho a triste notícia do seu passamento… 

Foi, talvez, encontrar-se com o amigo e antigo sócio do outro lado da vida! Mais perto de “São Pedro”…

E ali, nos Campos Elísios, pode ser que tenham arroz farto, a limpar o ano inteiro, pois o santo não deixará a água faltar!

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Uma homenagem ao Sr. Oswaldo, tradicional no antigo ofício de beneficiar Arroz, nessa profissão urbana que já entrou em extinção.

E aos familiares e amigos, meus sentimentos de pesar.



quarta-feira, 11 de agosto de 2021

25º PARA REGISTRO E MEMÓRIA

PARA REGISTRO E MEMÓRIA
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(Década de 1980/meados de 1990)
E com estas quatro imagens, triste eu deixo registrado um tempo que perdeu-se no Tempo, quando as terras da Família Fernandes trocou de dono e passou a se chamar FAZENDA SANTA MARTA.
De quando Sr. Pedro Orlanda adquiriu e investiu muito dinheiro nesse cantinho de terra, que vai lamber as águas da Represa de Furnas no Porto Fernandes (Sim! Esse porto de balsa ainda conserva o nome dos antigos donos!)
Essa terra que viu seus pastos e suas velhas lavouras de café sendo renovados, com a limpeza do terreno e novas curvas de nível, com o plantio de milhares de pés de café dos tipos “mundo novo” e “catuaí”, com mudas criadas e desenvolvidas ali mesmo.
Terra que viu a inovação tecnológica trazida pelo empreendedorismo e visão do Sr. Pedro Orlanda, que no espaço de poucos anos (aproximadamente uma década) revitalizou aquele “canto do fim-do-mundo”, lugar onde pouco mais que um caminhão leiteiro costumava circular em anos passados.
Lugar que se tornou referência da região com sua lavoura de café altamente mecanizada, pois seu dono o Sr. Pedro Orlanda, possuía em Jaboticabal (SP) uma fábrica de Implementos Agrícolas e tinha disponível tudo que necessitasse pra tocar uma grande lavoura.
Velha Sede e Nova Sede: Era assim que chamávamos as duas principais casas da Fazenda;
Uma (a velha sede) que ficava às beiras da Represa, onde creio que tudo se originou, com o Senhor Joaquim Fernandes criando sua família e depois entregando às mãos de seu filho, José Fernandes, todos aqueles alqueires de terra.
E a outra (a nova sede) no alto de uma colina, ao lado da estrada, já logo na divisa de terras com o Sr. Jafé.
Nas mãos do Sr. Pedro, essas duas casas ganharam vida e a Velha Sede agregou trabalhadores que saíram de Jaboticabal e acompanharam o patrão até à Fazenda, pra iniciar os primeiros serviços.
Ali conheci Dna. Cida e vários membros de sua família, mulher trabalhadora e moradora da região, contratada pelo Sr. Pedro, que vinha fazer o almoço e cuidar da faxina na velha Sede todos os dias.
E pela nova Sede também passou muita gente, incluindo Sr. Ademar e família, que o patrão trouxe das regiões canavieiras paulistas, pra fazer a primeira administração do local. Junto com ele, chegou o Zezinho – seu cunhado, com a família – pra operar e fazer a manutenção da primeira Máquina de Esteira que desembarcou ali.
Foi com essa máquina de esteira que o Zezinho, e bem depois, seu sucessor (o Miltão, trazido de Guapé e futuro esposo da Cidinha, que faz parte da família de Dna. Cida) limparam todo o terreno, revolveram os torrões e encheram os morros de curvas de nível.
Depois do Sr. Ademar, até o Sr. João Graciano – antigo operador da Balsa do Porto Fernandes, largou seu ofício na Balsa e veio morar por uns tempos na Nova Sede, naquela época perto de se aposentar, já quase em processo definitivo de mudança pra cidade.
Desses tempos, a casa também hospedou o Alziro (de Jaboticabal, motorista de caminhão da Fazenda), Seu Nelson (também de Jaboticabal, futuro sogro do Vicentinho e do Alexandre), o “Paisagem” (apelido do Seu Antônio, que trabalhava na fábrica do Sr. Pedro em Jaboticabal e ajudava em serviços variados na Fazenda), Seu Eduardo (mestre de obras), e o “Trabuco” (que era o motorista do caminhão que transportava os tratores e implementos agrícolas para a Fazenda).
Nas mãos do Sr. Pedro Orlanda, nesta Fazenda foi construído um Alojamento, que ficava próximo da Velha Sede e cuja finalidade era abrigar apanhadores de café que a Fazenda contrataria na época da safra. A previsão era que muito café seria colhido, e nem mesmo os trabalhadores da região circunvizinhas seriam suficientes para colher!
Desses trabalhadores, lembro que chegou gente de Cabo Verde e de Pedra Azul, no norte de Minas.
O Maron, e na mesma época o Miraíldes e o Athaíldes (esses dois rapazes, de nomes esquisitos, eram gêmeos e vieram de Pedra Azul) e com eles, vários outros de quem me lembro bem os rostos, mas não me lembro os nomes.
Para a construção do Alojamento, Sr. Pedro contratou os serviços de meu Tio João, que é mestre de obras.
Sob a responsabilidade do Seu Eduardo – mestre obras que o patrão trouxe de Jaboticabal – ficou a construção da imensa tulha de café, que era dividida em duas partes: A primeira divisão era para abrigar o “café em coco” ou café a granel; Era um imenso caixote de alvenaria, todo revestido por dentro (o piso e as paredes com madeira que ia até o teto).
E na segunda divisão da tulha estavam assentadas as máquinas de limpar café e limpar arroz. Nessa segunda parte também se estocavam os sacos de café já limpo – cada um com 60 kg, e fazíamos a pilha alta, até quase na altura do telhado. Nessa tulha eu trabalhei bastante tempo, com a Máquina de Limpar Café.
Nessa Máquina eu aprendi a regular as correias, a trocar as facas e as telas que debulhavam o café, a regular o balanço da máquina pra limpar o café exatamente do jeito que o patrão queria: O “primeira linha”, o “segunda linha” e o “terceira linha”. Eu sabia regular o grau de inclinação e a velocidade da peneira pra separar certinho os grãos inteiros e os quebradiços. Eu aprendi a identificar e separar o café de casca fina e o borrachudo.
Seu Eduardo também construiu o Terreirão e todo o seu complexo, que incluíram:
Um Lavador de Café e um Secador de Café.
O Terreirão também era dividido em duas partes:
No primeiro piso, descarregavam o café vindo da roça, aquele que não caía no chão e os apanhadores colhiam com as mãos sobre um tecido estendido no chão. E a gente remexia ele no terreirão até secar o suficiente ao Sol.
No segundo piso era deixado ao Sol o café rastelado, aquele que tinha contato com o solo da lavoura que caía com o vento e com a chuva. Esse café passava primeiro pelo Lavador de Café pra tirar a terra solta, tirar os torrões e lavar a casca externa. E depois ele seguia para este segundo piso pra secar.
Depois desse primeiro estágio ao Sol, todo café era levado para o Secador.
O Secador de Café era uma máquina monstruosa: começava pela fornalha onde se colocava lenha dia e noite na época da safra, pra gerar calor e secar o café. E depois da fornalha havia uma torre de metal.
Uma esteira com calhas recolhia os grãos de uma caixa de cimento aos pés do terreirão e levando o café até o alto da torre, jogava-o dentro dela. Quando a torre estava cheia, acendíamos a fornalha pra aquecer o café. Depois, um sistema de calhas recolhia o café aquecido nos pés da torre e conduzia outra vez para o alto da torre. Nesse movimento de vai-e-vem o café ficava às vezes até dois ou três dias sem interrupção.
E eu também trabalhei ali, no Secador! Cheguei a passar muitas madrugadas alimentando aquela fornalha, justo nessa época de safra, que é tempo de frio e vai aproximadamente de Abril até Agosto.
O patrão também me ensinou medir a umidade do café:
Tinha um aparelho delicado que ele guardava a sete chaves em seus aposentos na Nova Sede. E eu era autorizado a entrar lá com amostras de café debulhado pra fazer o aferimento. Quando o café atingisse um “x” por cento de umidade, era hora de desligar o Secador e esperar esfriar. Quando esfriava, outro sistema de calhas levava o café para a grande tulha e despejava naquele imenso caixote que eu já falei mais acima.
Trabalhei um pouco em cada função naquela Fazenda: Lá eu fui tratorista e pulverizei imensas ruas do cafezal com adubos líquidos e inseticidas. Também transportei café e adubos em carretas ligadas ao trator.
Trabalhei na Oficina da Fazenda, que ficava ao lado da Nova Sede. Lá aprendi a soldar peças, a trocar pneus, pastilhas de freio, discos de embreagem, filtros de ar, de óleo e de combustível nos tratores.
Só não fiz serviços pesados, nem pilotei a máquina de esteira…
Mas o enorme trator azul “Ford 4600” (novinho, novinho naquela época), os dois velhinhos “Massey-Ferguson 50-X”, os dois pequenos tratores “Agrale 4100” e a velha camioneta “Toyota Bandeirantes”, todos eles eu experimentei pilotar!
Seu Eduardo também fez as casinhas dos colonos que ficavam ao lado da estradinha, atrás da Oficina.
Sr. Pedro trouxe uma máquina de fazer blocos e até os blocos de concreto que construíram as casinhas dos colonos e a tulha de café foram fabricados lá na Fazenda!
Nas casinhas moraram muitos funcionários da Fazenda com quem fiz amizade. Amizade boa, que dura desde aquela época.
Havia na Fazenda algumas terras preparadas apenas para o plantio de arroz, feijão e milho que serviam para alimentar os funcionários. Na fazenda também se criavam porcos, bois e carneiros em pequena produção. Haviam três pomares: Um na Velha Sede, um na Nova Sede e outro próximo do curral. No meio do cafezal havia também um pedaço de terra não arado, que sustentou as ruínas de uma antiga casa. Ali também haviam pés de frutas, principalmente um manguezal.
O patrão sempre levava no porta-malas do carro, para Jaboticabal, os frutos da terra para presentear seus parentes, seus funcionários que trabalhavam pra ele na cidade, ou pra consumo próprio.
A Fazenda Santa Marta foi como um cometa luminoso que passou por aquelas bandas, clareou e encheu de vida e alegria as terras tão distantes e isoladas que ficavam aos pés da Serra, na Volta Grande… E como todos os cometas, ela passou, clareou e depois foi embora.
Hoje é com muita tristeza e dor no coração que eu registro aqui essas palavras, para que não morram nem se apaguem, como a Fazenda se apagou…
Sei que depois da morte do Sr. Pedro, a Fazenda entrou em decadência. Os herdeiros não deram à ela a mesma importância que ela teve para o antigo patrão. E assim, o cafezal envelheceu e foi morrendo sem se renovar. Os funcionários aos poucos também abandonaram o lugar.
E agora, seus filhos ou netos venderam as terras da Fazenda Santa Marta.
Não sei quem foi os responsáveis – se foi a família ou os novos donos – mas infelizmente também arrancaram do solo o que restou do velho cafezal modificando radicalmente o aspecto dessa Fazenda, e plantaram soja em seu lugar.
E certamente as construções que sobreviveram à Era do Cafezal, ou foram desativadas e desmontadas, ou mudaram de função, pois com soja se trabalha diferente do café…
Resta somente dizer:
Adeus Fazenda Santa Marta! Posso até um dia passar por aí pra te visitar, mas sei que aos poucos se apagam os traços que restaram daquele tempo que você nos trazia felicidade!
E como uma velha pessoa com Alzheimer, sei que mesmo te visitando, eu não serei mais reconhecido por você, que agora mudou de dono, de aspecto, de personalidade e de alma.
Adeus, Fazenda! Teu ciclo encerrou, como antes de você se encerraram também os tempos da Família Fernandes.
Vai ficar agora no coração e nas recordações.
Pra você, Fazenda, dedico três estrofes das músicas de Guilherme Arantes (no tempo que trabalhei aí, o cantor estava no auge do sucesso):
Sua verdade é o que me atrai
Ensina o que eu não sei
Está em toda parte
Onde eu chamar seu nome
Onda de luar
Me bateu no coração
Quebrou o meu silêncio
Entrou o seu perfume
Prazer em conhecer
Um gosto sem igual
Da tal felicidade
Bom saber
Que há sempre um tempo pra gostar...






quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

24º AO MESTRE, COM CARINHO.

Lembro até hoje que quando era pequeno, em férias escolares do mês de Julho, certa vez numa visita que fiz aos meus avós em São Paulo, fui levado pelas mãos de meu avô a um passeio.
Naquele dia, eu e ele percorremos um bairro da Zona Leste chamado Vila Carrão.
Em determinada rua estreita meu avô parou diante de algumas casas - todas juntinhas, espremidas, quase sem jardins - porém, casas centenárias - sobradinhos de muros baixos, com portas altas e janelas ainda de madeira.
Demorou-se um tempo olhando para uma dessas casas e apontando-a, me falou assim:
"__Aqui morou Dona Matilde, minha Professora..."
Seu olhar perdia-se num passado que eu não conheci, absorto em pensamentos e lembranças de seu tempo de criança, enquanto ele fitava aquela moradia... Então meu avô desfilou uma série de bons adjetivos, explicando-me como foram doces as aulas da sua Infância!
Oras, meu avô teve muito pouco estudo, não ultrapassando os primeiros anos da Escola Primária; e suas lembranças de um tempo remoto resistiram à adolescência e depois à vida adulta. E agora, já na velhice, tinha a oportunidade de demonstrar ao neto o quanto esse contato dele com sua querida Professora foi positivo e construtivo!
Naqueles dias de visita eu também já estudava em Minas Gerais e tive, graças a Deus, bons Professores! Estava ainda no Ensino Primário e imediatamente remeteu à memória os doces dias de aulas no "Grupo Escolar Dona Agostinha Flor de Maria".
As horas frescas, proporcionadas pela sombra projetada das árvores frondosas que protegiam a frente da Escola e transferiam uma calma sensação de paz na sala de aulas, jamais saíram do meu pensamento!
Menino calado que fui, menino arredio! Porém, estar na Escola fazia sentir-me em casa, pois naquele longínquo ano da minha vida tive uma Professora que iluminava meus dias...
Seus trajes, seu jeito de andar e seu modo de falar me lembravam alguém da família. Sua voz doce e sua linda caligrafia me fascinavam. Sua sabedoria me impunha respeito e uma muda veneração...
Estávamos no ano de 1978 e Dona Luzia Laudares era então a minha Professora.
Saber que ainda tinha a minha Professora após aquele período de férias - enquanto meu avô só possuía lembranças - me encheu de dó e tristezas pelo meu avô.
Naqueles tempos da Infância, a ideia de perder alguém próximo ou querido ainda estava longe de mim... Essa ideia começou a se materializar tempos depois, bem depois, com a perda de meu próprio avô.
E assim, de tempos em tempos recebo uma triste notícia - coisas da vida, natural, que todos nós estamos sujeitos, mas que ninguém quer esperar ou ouvir! E quando isso acontece, alguém por quem temos carinho acaba se transformando em lembranças, passando para um campo invisível e intangível, de onde nenhuma ação ou manifestação vem, além da dolorosa saudade.
E é por isso que escrevo essas palavras hoje...
Minha Professora Luzia Laudares prezava muito nossas redações. Todas imperfeitas, com erros de caligrafia, de gramática e de construção de frases. Mas eram lidas por ela com muita atenção; e sempre havia uma palavra de incentivo - não importasse a gravidade dos erros no texto - e a importância que ela demonstrava com todas aquelas mal traçadas linhas me enchia de orgulho!
E suas aulas - sempre ministradas com muito amor - não nos permitia ver o tempo passar naquelas poucas e prazerosas horas na sala de aulas, que se repetiam dia após dia sem nunca cansar.
Hoje, porém, nesta Quinta Feira - 18 de Fevereiro de 2021 - recebo a triste notícia que ela se foi...
Levada pela Covid que tem ceifado tantas e tantas vidas, que tem trazido tristeza aos lares e colocado tantas famílias em luto! E hoje colocou também o meu coração...
Porém, se os dias agora me ficaram um pouco mais cinzas, a noite para mim será sempre mais clara, pois a partir de hoje minha querida Professora do 3º Ano Primário foi morar no céu, junto às estrelas...
Como um tesouro, vou guardar na lembrança nossa interação na Sala de Aulas, seu cumprimento na chegada, sua despedida na saída, sua correção das provas e redações, seus ditados, suas histórias...
Gostaria muito de tê-la visitado, mas quando estive em Guapé há alguns anos, soube que já não morava mais ali, e que agora estava junto aos seus parentes em Belo Horizonte, talvez.
E pela idade e pelo tempo, já tive medo de não poder vê-la mais...
Mesmo assim, através da Soninha (a editora do Jornal Bão de Prosa) eu tive notícias dela.
E graças a Deus e à Soninha também, eu tive a impagável oportunidade de fazer Dona Luzia saber que nunca a esqueci, mesmo se passando tantos anos!
O futuro não é tão previsível como gostaríamos que fosse e não sabemos o dia de amanhã...
Mas caso eu também chegue na minha velhice, e nesse dia eu tenha oportunidade de voltar ao Guapé, quero levar meu futuro neto pelas mãos e com ele passear na Cidade...
Ao passar por certa rua da Cidade Nova, quero estar por um momento em silêncio diante de uma determinada casa...
Talvez já não seja mais como fora antigamente, com as características das casinhas de Furnas, em blocos de concreto... mas de qualquer forma, é um lar que permanece ali, no lugar.
E com meu olhar perdido num passado que meu neto não vai conhecer, absorto nos meus pensamentos e lembranças de criança, quero apontar-lhe esta casa e dizer:
"__Aqui morou Dona Luzia, minha Professora...".

Adeus, Dona Luzia Laudares! Adeus, Professora querida!
Esta é a última Redação que eu faço para a senhora... Sei que se pudesse ler, corrigiria a pontuação e meus erros de construção das frases, naquele seu jeito firme, porém brando e doce, que conquistou tantos dos seus eternos alunos...
Obrigado por fazer parte da minha Infância! Que Deus lhe pague por tudo.
E até um dia, talvez...

Marcelo Lagoa de Almeida