26/10/2013
''AI!!!QUE SAUDADE ME DÁ!!!"
Mudei pra Cidade Nova nos anos 70. Morei de frente
o Campo Sete, vizinho do Fonso da Laza. O Fonso tinha a Ana Maria, mocinha
muito bonita – se o Bão de Prosa conseguir o “retrato pra dicumento” vocês vão
ver que tenho razão. E tinha também duas meninas pequenas, da nossa idade. Eu,
minha irmã, a Marli e a Suelane, fomos criados meio juntos, até mamávamos do
mesmo peito...
__ Pérai, deixa que eu vou explicar: É que o Fonso
tinha duas vaquinhas: A Gabirú, uma vaquinha anã e a Pachola, uma dócil vaca
mocha. E as duas eram boas de leite... E minha família comprava o leite dessas
vaquinhas!
Gostávamos de correr pra Conferência. Sentávamos no
pátio observando o anãozinho mudo, parecia uma pedrinha de carvão, a varrer o
pátio e trazer feixes de lenha pra cozinha comunitária. Dali, ouvíamos
histórias dos velhinhos que não podiam levantar das camas. Que sensação
estranha! Estando na aurora da infância, observávamos o pôr-do-sol na vida
dessas pessoas. Receber um sorriso bondoso já sem dentes dos velhinhos – abandonados pela família, mas caridosamente
cuidados na Vila Vicentina pelo João Barbosa – era ao mesmo tempo triste e
reconfortante! Pareciam estórias que nossa avozinha contava nas horas de
dormir...
Depois com a cabeça cheia de fantasias, corríamos
com uma peneira nas mãos, atrás de qualquer redomoinho de vento que acontecia
lá no Campo Sete, só pra ver se capturava o saci... Isso se a Isabela Doida não
saísse correndo atrás da gente, pra acertar umas pedradas!
Nesse tempo, o Fonso trabalhava na CACISA. Às vezes
levava a gente de carona na charrete. Gostávamos de ver a Fábrica apitar,
comíamos daquele queijo que parecia purunga e eu gostava de tomar soro do
leite, só pra acalmar as lombrigas... Luzia Oliveira – que hoje mora em
Contagem, certa vez também se lembrou disso, aqui no Face, mencionando o causo
na página do Bão de Prosa.
O hospital vivia fechado, abandonado. Só funcionou
como Posto de Vacinação em 1975 e foi “seo” João Barbosa que vacinou a
criançada da Cidade Nova.
Certo dia (Su, me perdoa mas tenho de colocar isso
a público...) A Suelane aspirou um feijão que ficou entalado no nariz. Sem
hospital, valemos do sangue-frio de mamãe nessa hora, que com muito cuidado
livrou a menina do perigoso incômodo...
Nossa rua era a rua dos solteirões. Numa ponta –
vizinhas do Gordinho da Cemig – viviam Dnª Ana e Dnª Maria, duas irmãs beatas
que faziam a arrumação da Igreja Matriz. Apesar da idade, desciam a pé para o
centro da cidade duas vezes por semana: pra limpar e depois pra assistir a
missa. Tão tradicional, que até véu preto usavam na missa.
No meio, moravam o Urias e o Aurélio, também
solteirões. A mãe deles que acudia às vezes, pois os rapazes viviam às turras.
Quando não brigavam na rua, brigavam em casa pra não perder o costume... Mas
ela sabia fazer um doce de mocotó DE-LI-CI-O-SO!!
E na outra ponta da rua, numa casa com enorme pé de
Seringueira na frente, onde a rua quase desce em direção ao Bosque, morava o
Divino – também solteirão, morava com
sua mãe. O Divino tinha problemas de saúde, não sabíamos o que era, então
dizíamos que “sofria de acesso”. Mas não
era só epilepsia.
Uma vez o próprio Divino contou – e ele gostava de
contar – que o levaram pro hospital, quiseram colocar nele uma camisa com
mangas viradas pra trás. Lá, quando quis quebrar tudo, aplicaram um tal de
“sossega leão” e desde aquele dia ficou bonzinho e pôde voltar pra casa e
trabalhar.
Sua ocupação era Agente de Limpeza das Vias
Públicas – creio que isso foi muito importante pra ele. Naquele tempo não
existia Bolsas do Governo, a única bolsa era aquela que ficava vazia no fim do
mês, se a gente não trabalhasse. Então sem bolsa, o Divino foi empregado da
Prefeitura e isso o fez sentir integrado na sociedade, minimizando os traumas
que a própria enfermidade traz às pessoas nessas condições.
Na rua de cima, morava outro funcionário da
Prefeitura: O Colombo, que não descobriu a América, mas foi motorista e dirigia
a única caçamba da cidade. Colombo
gostava muito de ficar no Bar do “seo” Clides da Dnª Carmem. Depois esse bar
virou “bar do Zanone” todo mundo se lembra, né? É aquele bar quase de frente a
casa do “seo” Evaristo, que fazia fretes com carroça – e era pai do Varistinho
que fazia fretes com caminhão. Pois bem,
Colombo sempre repartia balas pra criançada. Pelo menos pra nós! Quando não
tinha balas, dava moedas com as quais comprávamos doces de banana naqueles
copinhos também comestíveis...
Outro funcionário da Prefeitura era o Tatão, que eu
não sei onde morava, mas sempre estava por ali, na nossa rua. Nossa alegria uma
vez foi encarrapichar num Carro Oficial e convencê-lo a dar uma voltinha com as
crianças no bairro. Como a gente se sentia importante, andando no carro da
Prefeitura!
Guardo muitas recordações da Cidade Nova. Havia um
campinho entre a casa do Joaquim da Rodoviária e o bar do Joaquim Barba. Hoje
ali tem uma escola. Naquele tempo os
alunos do Colégio São Francisco – que ficava em frente, ocupando o prédio do
Hospital, vinham treinar a fanfarra pro dia 7 de Setembro. O Joaquim Barba
dizia que não foi na escola e aprendeu ler sozinho bem criancinha... A letra
“Ó”, dizia ele – aprendeu escrever sentando num monte de terra e deixando a
marquinha...
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