domingo, 27 de setembro de 2020

23º Foi de tristeza, sim!

CLAUDINHO DO ZÉ DAMAS

Ele era especial…

Um anjo de apenas 8 ou 9 anos encarnado num corpo adulto, de uns trinta e poucos anos.

Morávamos na mesma Rua. Fomos quase vizinhos.

O Claudinho eu conheci desde a minha infância e naquela época ele já era um "adulto-criança".

E sempre foi do mesmo jeito:

Sempre sorridente, com seu vozeirão de gente grande ele brincava igual as crianças, por causa de seu raciocínio que não se desenvolveu com a mesma rapidez do corpo.

Mas era um doce menino. Obediente aos pais, todos os dias ele descia a rua de casa e seguia em direção ao centro da pequena cidade mineira, onde eu morei, para buscar o leite.

Naquele tempo não existia “leite pasteurizado”, ninguém sabia o que era “leite de caixinha” ou “leite de saquinho”. Tudo era vendido IN NATURA: A farinha, o açúcar, o café, o arroz e o feijão. Tudo era pesado à frente do cliente, depois embrulhado em “papel de pão”.

O leite também era assim e o Claudinho levava sua vasilha de alumínio para trazê-lo. Voltava cantando músicas infantis e balançando perigosamente sua vasilha cheia de leite, com risco de derrubar tudo no chão!

Sonhava em ser Locutor de Rádio. Diante da impossibilidade, Claudinho passava horas e horas debaixo da sombra das árvores no seu quintal, ligando as árvores com um emaranhado de barbantes e latas e brincando sozinho de “telefone sem fio”.

Eu me mudei de Guapé há muitos anos (há 29 anos) e as notícias às vezes demoram um pouco pra chegar…

Porém, há pouco tempo eu soube que o Cláudio faleceu. Mas não faleceu agora! Já faz algum tempo que ele se foi.

Fiquei triste e despertou-me a curiosidade:

“O Cláudio, apesar das suas limitações, parecia um rapaz saudável… Do que teria falecido o Cláudio, rapaz tão novo?”

E hoje, a notícia triste se completou:

CLAUDINHO MORRERA DE TRISTEZA.

Muito apegado ao pai, Sr. José Damas – um caridoso e respeitado senhor – Claudinho começou a ficar triste desde que o pai falecera…

Tempos depois perdeu também Dna.Tiana, sua mãe.

Cláudio era o filho mais novo; e não sei dizer se era filho legítimo ou adotivo.

Só sei que, com a morte dos pais, Cláudio foi levado para a casa de uma de suas irmãs, que ficava na zona rural de Guapé. Mas infelizmente, não se adaptou ao novo ambiente.

Trouxeram-no outra vez à cidade, mas como na casa onde morou não havia ninguém que cuidasse do rapaz, foi então levado ao abrigo da Vila Vicentina (outrora chamada de “Conferência” pelos habitantes da cidade). E que ficava bem próximo à casa onde ele passou sua vida toda, com os pais.

Segundo o depoimento da sobrinha, Cláudio saía todos os dias da Vila Vicentina e perambulava nas ruas da cidade. E gostava de ficar rodeando a casa que outrora foi o seu lar… 

A casa permaneceu fechada, ausente de pessoas. E o Cláudio permaneceu também fechado, repleto de lembranças… 

E foi ficando quieto, foi ficando calado, foi ficando encorujado, foi ficando perrengue, foi parando de brincar, foi parando de sorrir, não respondia a nenhum tratamento e um dia morreu.

Talvez digam que foi disto ou daquilo (complicações com o diabetes), pois a morte precisa de uma desculpa para acontecer.

Mas a perda dos amados pais lhe pesou muito no coração… Ver a casa que fora seu lar sempre fechada, negando-lhe a vida alegre que outrora vivera ao lado dos pais, também contribuiu bastante para piorar seu estado de saúde!

E eu, que achava que morrer de tristeza só acontecia nos livros, nos contos e nas novelas…

Mas morrer de tristeza é algo que de fato acontece, é a triste realidade…

E o Cláudio, seguramente, morreu foi de tristeza sim!


Então fica aqui registrado minha triste homenagem ao bom menino:


Já vi gente morrendo de morte morrida,

Morrer para sempre é dor toda vida,

Morrer de acidente, acontece e é triste,

Morrer de doença, é triste e sofrida,

Morrer numa briga, uma triste partida,

Morrer na velhice é triste certeza,

Mas é triste duas vezes, morrer de tristeza!


Que Deus o tenha em paz, em um bom lugar.



domingo, 26 de julho de 2020

22º O Farmacêutico Sahium

Filho de imigrantes libaneses, Abraão Antônio Sahium fixou residência em Guapé (MG) há muitos e muitos anos passados...
Ali abriu uma farmácia que existe até hoje e é a mais antiga da cidade.
Ajudou muita gente pobre no Guapé, pessoas que não podiam sequer comprar um comprimido. Visitava os enfermos em casa, dava assistência a quem já não podia mais sair da cama... Visitava-os mesmo que fosse a pé!
Numa cidade pequena sem muitos comércios especializados, a farmácia do Sahium também funcionava como uma boutique: Não só vendia remédios, mas também tinha os perfumes...
A imagem mais marcante na memória é de 1985 ou 1986... foram as suas visitas à casa de Dna. Oscarina e Sr. Candinho, nossos vizinhos ali da Rua Araúna, uma mulher gravemente enferma.
Da porta entreaberta que dá pra rua, pressentíamos aqueles momentos de angústia, quando ela, vítima de um câncer no pulmão, lutava para sorver um pouco de ar. Mas o "Sr. Sahium" estava lá, para aplicar talvez uma morfina, para prestar todo o conforto possível naquelas horas difíceis e finais.
Não tinha dia, não tinha hora. Era só chamar e o prestativo farmacêutico vinha atender os pacientes à domicílio.
Toda população guapeense o admirava... Sahium foi nosso médico e farmacêutico.
18 de Junho de 2020: Nesse dia ele se foi, mas deixou um legado gigante, uma imagem zelosa do bom e gentil profissional (e amigo) que sempre foi.

Segue abaixo uma pequena homenagem ao grande profissional. Uma pequena homenagem (e também uma sugestão) ao Farmacêutico que nos acompanhou desde criancinha, atendendo-nos desde uma pequena dor de dente, a um problema de saúde mais sério...
Alguém que atendia a todos com um lindo sorriso no rosto e que transmitia paz e confiança (mesmo quando apontava para nós, crianças, a temida agulha de injeção).
Vai com Deus, Sahium!

Avenida Brasil…
Quantas são as Avenidas
Que te homenageiam pelo nome?
Um nome que se destaca
Por importância entre tantos mil… 
Pois quase não há cidade,
Que não estampe em logradouros,
Esse nome de Brasil… 

Um País tão gigante,
Mas de povo tão sofrido.
Onde a fome é abundante,
E o futuro dolorido.
Onde os presos estão soltos
E o crime ainda compensa.
Onde os piores são poderosos
E o bom cai na maledicência.

Onde se trabalha pra pagar impostos
E viver só do que sobra.
Destino incerto e duvidoso,
Viramos pau pra toda obra.
Onde a Favela é quase tão grande,
Quanto a Cidade que a comporta.
Infraestrutura nem existe
E a miséria bate na porta.

E suas terras são divididas,
Subdivididas e depois vendidas.
Seu patrimônio é malcuidado
Isto quando não são incendiados!
Um País que dá mais importância
Ao salário do Deputado
Mas que se desapercebe
Dos que o fizeram estudado.
Se eu esquecer,
Alguém me ajude:
Mas tem bem mais privilégio
O político de Brasília,
Do que o Profissional da Saúde!

Uma Pátria que eu gostaria de chamar de minha Mãe,
Enquanto outros se contentam por chamar até de Madrasta.
Porém nem uma e nem outra valem,
Pois tu não fazes sequer o mínimo
Do que qualquer uma delas faça!

Um Brasil irreconhecível,
Que nem ouve os que te clamam.
Nem merece uma Avenida!
Pois castiga os que te amam.
Quando muito, dar teu nome
A um Beco Sem Saída.

Em Guapé também existe
Por Brasil uma Avenida.
Nela existe uma farmácia
Que é de longe a mais querida.

Entre aqueles mais antigos
Que à população serviu,
Houve um filho libanês
Nessa Avenida Brasil.
Seu sorriso aliviava
A dor do enfermo condenado.
Daqueles que nem tratamento
Salvaria o coitado.

Vindo a pé ou a cavalo,
Visitava todo mundo!
Um doente na família
Nunca foi abandonado.
Na Cidade ou no campo,
Rico, pobre ou vagabundo.

A Avenida é testemunha
Da Farmácia que cresceu.
A Cidade até mudou,
Mas ali permaneceu.
Como nada é para sempre,
Hoje um fato dolorido:
O seu dono tão querido
Infelizmente faleceu.
E Sahium era seu nome,
O nosso amigo farmacêutico.
Fez a vez até de Doutor,
Em época de tempos críticos.

Num Brasil pouco amistoso,
De pobreza e de injustiça,
Desnutrição, febre ou maleita,
A aflição era contida
Às vezes com suas receitas.
Pois seria bem mais pago,
Tirar de ti este “Brasil”
E dar-te nome ó Avenida,
Sem causar prejuízo algum,
Ostentando agora em suas placas:
“Avenida Abraão Antônio Sahium” (*)

Obs: Suas iniciais formam AAS, o princípio ativo da nossa querida e popular Aspirina...


21º - Padre João

"Estou pensando em Deus
Estou pensando no amor
Estou pensando em Deus
Estou pensando no amor
Os homens fogem do amor
E depois que se esvaziam
No vazio se angustiam
E duvidam de Você
Você chega perto deles
Mesmo assim ninguém tem fé."

Padre João.
Sou suspeito pra falar desse senhor, pois era alguém que jamais tive algum contato pessoal, visto que, pertencendo a outra religião, não frequentei a Igreja Matriz.
Um sujeito que sempre vi ao longe, fosse nas procissões que percorriam as ruas, ou nos seus esporádicos passeios pelas ruas da cidade – quando alguém, conduzindo o veículo, levava-o para alguma missão ou visita aos fiéis.
Nunca entabulei uma conversa com ele, nem jamais pedi sua bênção.
Nunca lhe dirigi qualquer palavra, ou parei para ouvir seu sermão. Afinal, nunca me vi na oportunidade de me aproximar dele.
Mas conheci-o bem cedo… 
Porque vivendo em Guapé, vivia-se, de qualquer forma, com a presença de Padre João em nossas casas!
Houve um tempo que podia-se dizer que metade da cidade fora batizada pelo Padre João. E a outra metade, por já serem mais velhos quando foi ordenado, levaram seus filhos a ele.
Nunca atravessou o umbral de minha casa, mas acordava-nos todos os dias de manhã, com as músicas religiosas que tocavam em seus discos de vinil!
Às vezes eu nem conhecia certo cidadão, ou talvez nem soubesse que andava doente… Mas ele nos avisava toda vez que alguém morria!
Não sabia quem era o noivo, nem mesmo o nome de seus pais. Mas sempre acabava informado de tudo: Quem eram os pais, os sogros, padrinhos e até o dia do casamento, porque ele nos avisava também através dos alto-falantes da Igreja Matriz.
Nunca fui à missa, mas ficava sabendo do seu horário e até mesmo de algumas broncas que levavam certas pessoas, quando se atrasavam para a cerimônia; porque sua voz ecoava aos quatro ventos, nos avisando...
Era um dia diferente: um dia apreensivo e até mesmo esperado com ansiedade, a sua visita nas Escolas, no Grupo Primário… Foi uma pena, mas se ela aconteceu – e eu creio que sim – eu não o vi neste dia também.
Notícias diversas eram publicadas naquele “jornal falado” que se fazia ouvir aos quatro ventos nos alto-falantes da torre de quatro lados:
Desde um aviso qualquer, sem importância nenhuma (mas que certo cidadão insistia que se anunciasse nos alto-falantes), até mesmo alguma notícia de maior importância, como algum acidente nas estradas, ou algum evento importante à cidade, para os próximos dias.
Algumas vezes o padre exercitava sua oratória e fazia as pregações a partir do microfone, para toda a cidade ouvir.
Conselhos matrimoniais, conselhos aos jovens, admoestações aos desencaminhados, reprimenda nos casais de namorados que andavam pela Praça durante a noite, a chamada para a missa, o serviço contratado, o negócio combinado, etc… Tudo era falado, tudo era anunciado.
A missa de corpo presente era anunciada sob a execução tristíssima de alguma música religiosa. E os sinos repicavam na derradeira vez que o cidadão atravessava as portas da Matriz, quando era então conduzido pelos parentes e amigos até sua derradeira morada, no final da Rua que descia da Praça até o portão do Cemitério.
Lembrança triste de um dia, em 1983, quando uma menina, ainda bem jovem foi levada ao cemitério. Sofrera de câncer e veio a óbito. Ela morava ali mesmo, na Rua que descia para o Cemitério. E conheci-a de vista.
No momento que seu corpo fazia a curva pra descer a rua, já no finalzinho da tarde de um dia nublado, a Igreja tocava uma triste música… Eu, que passava por lá naquele momento de bicicleta, esperei com respeito o cortejo passar. Tão nova! Mas foi seu destino… 
O Zé da Hora era sempre convocado, como se pudesse, de qualquer forma, mesmo sendo o “homem do sino”, alguém capaz de perder a Hora… 
Como toda pessoa proeminente na sociedade, Padre João também teve seus admiradores e críticos.
E tinha também aqueles que – sem temor – imitavam sua voz arrastada e de tom afetado, com sotaque alemão… Esses também recebiam uma repreensão pública, a partir dos alto-falantes da Igreja Matriz!
E inevitavelmente, com meio século de sacerdócio, foram muitas as “histórias do Padre João”.
Verídicas ou fictícias, essas sempre populavam a imaginação e a consciência das pessoas.
Eu, pelo distanciamento com a sociedade religiosa e católica da cidade, com toda certeza não conheci dez por cento delas!
Porém, muita gente – principalmente o povo mais velho de Guapé, e também aqueles que já eram adolescentes em 1984, 1985 – com certeza guardam memórias muito melhores e bem maiores do que essas que eu possuo.
Mas entendo que o sacerdote foi, inegavelmente, “a cara da cidade”.
Guapé se amalgamava em torno de Padre João.
Brigas de família, brigas de vizinhos, brigas entre credores e devedores, rixas e todo tipo de diferenças, podiam ser resolvidas com os conselhos do Padre, no confessionário.
Foi rígido, contumaz, mas também foi admirado pelos que receberam seu auxílio nas horas de necessidade.
Houve um tempo, na década de 80, que ordens superiores levaram-no da cidade, pois sua saúde inspirava cuidados e ele já não podia administrar bem o sacerdócio.
Mas não teve jeito: Mesmo fragilizado pela idade e pela doença, Padre João foi outra vez trazido à cidade. A vida do padre estava ali, ligada ao povo que durante tantos anos ele doutrinou.
Foi ali em Guapé que ele viveu a maior parte de toda sua vida. E era ali naquela cidade que deveria abandoná-la, quando chegasse a hora.
Então, certo dia, o padre não falou mais nos alto-falantes… 
E foi pela voz de outros que se fez anunciar sua partida.
Uma triste e sentida partida para muitos, que fez a cidade parar momentaneamente.
Padre João ganhou um busto, uma praça e um jazigo ao lado da Igreja que tanto amou.
Não o conheci pessoalmente, é verdade.
Mas alguma coisa ficou marcada, com certeza. Porque hoje, ao longe, escutei uma bela canção do Padre Zezinho… E lembranças me vieram à memória.
E, automaticamente lembrei-me da infância, das ruas poeirentas de Guapé, dos campinhos de futebol, das quadras vazias, do enorme campo de aviação, da velha rodoviária, da Praça do Cruzeiro, da Praça da Matriz, do Bosque, da Figueira, do Buracão e da Rua Três de Fevereiro; do velho ônibus da Viação Martins, da homenagem ao Homem do Campo cantada na voz de Dom & Ravel, do enfeitado Corpus Christi com palha de arroz colorida, das músicas religiosas tocadas a partir da torre da Igreja (inclusive essa, do Padre Zezinho), do velho coreto, da velha fonte, das árvores que enfeitavam a Avenida Brasil…
E, lógico, da inconfundível voz do Padre João… 

"Tudo seria bem melhor
Se o Natal não fosse um dia
E se as mães fossem Maria
E se os pais fossem José
E se a gente parecesse
Com Jesus de Nazaré
Estou pensando em Deus
Estou pensando no amor
Estou pensando em Deus
Estou pensando no amor…"