13/12/2013
MEU IRREVERENTE PROFESSOR JAIR
Alguém já teve um professor assim?
Era desse jeito meu professor de matemática no
Ginásio: Camiseta em tons claros, descombinando com a calça social escura e
sapato social esporte-fino...
Entrava na sala de aulas o professor Jair, com todo
seu material didático despreocupadamente carregado debaixo do braço... Trazia
também seu próprio giz. No bolso de camisa, um maço de cigarros – que nunca
saía de lá quando estava dentro da sala, mas que usava de vez em quando nos
corredores da Escola, enquanto a gente se empenhava em resolver questões de álgebra
propostas por ele...
Não sabemos do quê – e também nunca vamos saber –
mas por várias vezes o professor Jair entrou na sala com meio-sorriso no canto
da boca e assim permanecia até o fim da aula. O que estava pensando? quem sabe
remoendo algum “causo”, daqueles que os professores contam um pro outro, lá na
Secretaria antes de descer pra sala.
Mas de repente, Jair disparava a piada em pleno
“momento de epifania cultural”, fazendo todo mundo rir, esvanecendo o clima
árduo e complexo das equações de 2º e 3º Graus... Matemática sempre foi matéria
polêmica – amada por meia-dúzia e odiada por uma centena – mas nessa hora o
professor é que fazia a diferença! E O JAIR FOI ESSE PROFESSOR...
Jair sempre teve paciência e muita tolerância com a
gente, porém sem perder o respeito dos alunos. Se ficava nervoso gaguejava um
pouco e as palavras enroscavam na garganta, não saíam direito... Parecendo
contas de divisão quando deixa um restinho pra trás. Jair era um professor
distraído... Tão distraído que no dia que Suavita ganhou a primeira criança, o
professor dormia tranquilamente... até que ela o chamou e disse:
__ Jair, acorda homem!
Socorre que a bolsa rompeu!....
O Jair só virou pro outro lado e resmungou:
__ Não tem problema,
amanhã te compro outra...
MAS SÃO “CAUSOS” DO GUAPÉ... Ele nunca confirmou a
veracidade dos fatos... Mas o povo jura que foi desse jeitinho!!
Ele jamais, JAMAIS deixou seus alunos esquecerem de
uma coisa: Compenetrado – de uma SERIEDADE que todos nós sabíamos que não era
bem assim – nosso Jair se virava pro quadro-negro (que era verde lá no Ginásio)
e desenhava um enorme caminhão ocupando metade do quadro! Era um caminhão
semelhante aqueles do Baú da Felicidade, e dentro da carroceria de sua Obra
Artística enchia de números... números e mais números... não contente, escrevia
números fora da carroceria também. Na pincelada final do artista, envolvia tal
caminhão entre dois parênteses gigantes e elevava tudo aquilo à potência Zero.
E pronto!! Tínhamos – como dizia nosso professor:
__“UM CAMINHÃO DE NÚMEROS ELEVADO A ZERO, sempre é
igual a UM...”
Contas e cálculos gigantes, era com ele mesmo: Bem
humorado, às vezes não queria quebrar a linha do cálculo, então o quadro
acabava e ele continuava, acompanhando a moldura de madeira... Ou começava com
números gigantes e quando via que não cabia no quadro, diminuia, diminuia...
até que não se enxergava mais o resultado.
Praticávamos “corrida matemática”: Um tipo de
corrida com papel, caneta – e muito cálculo.
Era assim: Sem dizer "um pio", Jair se
dirigia ao quadro e montava a equação. Todos atentos – podia colar, pesquisar
no livro... Jair não se importava muito com isso – só não valia olhar no
caderno do vizinho. Conferia o relógio – um Orient automático – e autorizava os
cálculos. Dado a largada, circulava entre as carteiras, quando de repente
alguém gritava:
__ACABEI!!
Jair conferia atentamente e inquiria do aluno como
chegou a tal conclusão. Assunto explicado, o professor assinava o caderno e
aquele “aluno rapidinho” ganhava Meio Ponto !!
E quando não era corrida, resolvíamos a equação e
levávamos até sua mesa. De lá saíamos contentes com mais “meio ponto” assinado
ou então um "ZERO" bem grandão em cima da conta errada, pra não haver
dúvidas... E no fim do bimestre mostrávamos outra vez o caderno ao Jair, que
conferia rapidamente e somava os meio pontos. Nesse dia, Jair apenas virava as
páginas e somava...
ENTÃO DESENVOLVEMOS NOVA HABILIDADE: TREINAMOS A
ASSINATURA DO JAIR – que não era tão difícil de imitar – e dava certo!!! Esses
“meio pontos” (os verdadeiros e os falsos) ajudaram alguns a se livrar da
recuperação... Por fim, nunca soubemos se os pontos falsos valeram por ficar
idênticos, ou se ele percebia – mas dava a nota mesmo assim pelo nosso esforço
artístico, pela "criatividade" e talento...
Sabem de uma coisa? Não é severidade ou caráter
violento de um professor que imprime respeito aos alunos...
O nome disso é MEDO. Pois o VERDADEIRO RESPEITO se
adquire mostrando de forma natural todas as Qualidades de Mestre. E “qualidade
de mestre” se confere no jeito especial de conquistar a atenção dos alunos e
saber ensinar, sem tornar pesado o clima de uma matéria tão difícil e às vezes
chata. Jair era mestre na arte de ensinar.
Uma vez Jair entrou na sala e todos continuaram
conversando. Ele simplesmente passou a matéria no quadro e foi sentar. O tempo
passou... a sirene tocou... e o Jair saiu da sala... Não falou “oi” pra chegar,
nem disse “tchau” pra sair. Ninguém resolveu a questão!! Na próxima aula,
soubemos que era matéria nova e muito importante que ele ia explicar, e
teríamos ganhado Cinco Pontos, se tivéssemos entendido a matéria e resolvido a
equação!!! Foi uma bela lição e tenho certeza que muita gente há de se lembrar
disso pra sempre, além de aplicar o exemplo no cotidiano!
Outra vez levantou-se da mesa e começou escrever um
exercício no quadro. Todos conversavam sem dar atenção. Então sem se virar,
falou em alto e bom som: “FERME LA BOUCHE!!!!” Palavra até então desconhecida,
que pegou-nos de surpresa... e ficamos todos curiosos pra saber o que
significava. E ISTO FOI SUFICIENTE PRA SILENCIAR A TURMA!!! No final da aula,
após insistentes pedidos que traduzisse, o Jair nos disse:
__Ferme la bouche é francês... significa:
"CALEM A BOCA!”
Normalmente é o professor que vai às aulas,
enquanto os alunos “matam”... Mas no caso do Jair, não!! Ninguém matava suas
aulas porque todos adoravam aprender com ele, e ninguém queria faltar de jeito
nenhum!!! Exceto o professor que algumas raras vezes (sim muito raras) não
comparecia... Vou explicar porque: Nosso amado Jair tinha o fígado fraco. E
qualquer coisinha já atrapalhava a saúde. Infelizmente a natureza o privou da
faculdade de degustar o licor da terrinha – um destilado da planta Saccharum
Officinarum Linnaeus. E como todos sabem, Jair era pessoa responsável e nunca
foi consumidor assíduo desse mel dos deuses. MAS SE PROVASSE UM TIQUINHO SÓ QUE
FOSSE, o seu fígado já estranhava e se “atrapaiava” todinho, impedindo-o de
professar suas aulas por um ou dois dias no ano. Mas ninguém levava isso em
conta e nem se importava, sabem porquê? Porque seu método de ensino era muito
fácil de assimilar e aprendíamos com ele com tanta facilidade... que levaríamos
dias ou semanas pra aprender de outra forma, ou com outro professor... Então,
um dia só que o professor “matava a aula” não era nada – se comparado com
muitos dias de aulas que ele nos ensinou! Ah! Saccharum Officinarum Linnaeus é
nossa popular cana-de-açucar... E o "licor da terrinha"... bem, deixa
pra lá...
Bom, professor Jair se aposentou. E tudo que eu
tenho a dizer é que lamento profundamente, porque os alunos de hoje perderam
oportunidade ímpar de conhecê-lo em plena atividade do magistério... Jair agora
tem outras atividades... Ouvi dizer que mudou-se pra roça lá pras bandas da
Volta Grande e cuida das vaquinhas, anda a cavalo... Deixou de lado a EQUAÇÃO
pra se dedicar à EQUITAÇÃO. Foi o Maurício do Zé Costela que o viu por lá. Ele
disse também que o professor anda com um boizinho de estimação pendurado na
coleira como se fosse um cachorro... deve ser distração dele, TEM BASE? Decerto
que anda com as contas de matemática – calculando produção – quantos litros de
leite rende uma vaca que tem tantos centímetros cúbicos de úbere, quantas
raízes quadradas possui um pé de café, ou quantos metros quadrado capina em
volta do sítio com enxada de 40 cm. a duas horas por dia etc... Mas capinar,
acho que não capina não. Deve ficar só nos cálculos mesmo... O fato é que todo
mundo se lembra dele com muito carinho e tem saudade de suas aulas.
Professor Jair, ocê tá pensando que vai sair assim
de fininho de nossas vidas, mas não vai não. Por favor, volte pra Escola e suas
aulas, E FAZ NOVAS HISTÓRIAS, ou vamos lembrar das velhas pra sempre... O
senhor que escolhe... e como é bom em matemática, CALCULE as probabilidades...
Seu sempre aluno, Marcelo.
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