quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

24º AO MESTRE, COM CARINHO.

Lembro até hoje que quando era pequeno, em férias escolares do mês de Julho, certa vez numa visita que fiz aos meus avós em São Paulo, fui levado pelas mãos de meu avô a um passeio.
Naquele dia, eu e ele percorremos um bairro da Zona Leste chamado Vila Carrão.
Em determinada rua estreita meu avô parou diante de algumas casas - todas juntinhas, espremidas, quase sem jardins - porém, casas centenárias - sobradinhos de muros baixos, com portas altas e janelas ainda de madeira.
Demorou-se um tempo olhando para uma dessas casas e apontando-a, me falou assim:
"__Aqui morou Dona Matilde, minha Professora..."
Seu olhar perdia-se num passado que eu não conheci, absorto em pensamentos e lembranças de seu tempo de criança, enquanto ele fitava aquela moradia... Então meu avô desfilou uma série de bons adjetivos, explicando-me como foram doces as aulas da sua Infância!
Oras, meu avô teve muito pouco estudo, não ultrapassando os primeiros anos da Escola Primária; e suas lembranças de um tempo remoto resistiram à adolescência e depois à vida adulta. E agora, já na velhice, tinha a oportunidade de demonstrar ao neto o quanto esse contato dele com sua querida Professora foi positivo e construtivo!
Naqueles dias de visita eu também já estudava em Minas Gerais e tive, graças a Deus, bons Professores! Estava ainda no Ensino Primário e imediatamente remeteu à memória os doces dias de aulas no "Grupo Escolar Dona Agostinha Flor de Maria".
As horas frescas, proporcionadas pela sombra projetada das árvores frondosas que protegiam a frente da Escola e transferiam uma calma sensação de paz na sala de aulas, jamais saíram do meu pensamento!
Menino calado que fui, menino arredio! Porém, estar na Escola fazia sentir-me em casa, pois naquele longínquo ano da minha vida tive uma Professora que iluminava meus dias...
Seus trajes, seu jeito de andar e seu modo de falar me lembravam alguém da família. Sua voz doce e sua linda caligrafia me fascinavam. Sua sabedoria me impunha respeito e uma muda veneração...
Estávamos no ano de 1978 e Dona Luzia Laudares era então a minha Professora.
Saber que ainda tinha a minha Professora após aquele período de férias - enquanto meu avô só possuía lembranças - me encheu de dó e tristezas pelo meu avô.
Naqueles tempos da Infância, a ideia de perder alguém próximo ou querido ainda estava longe de mim... Essa ideia começou a se materializar tempos depois, bem depois, com a perda de meu próprio avô.
E assim, de tempos em tempos recebo uma triste notícia - coisas da vida, natural, que todos nós estamos sujeitos, mas que ninguém quer esperar ou ouvir! E quando isso acontece, alguém por quem temos carinho acaba se transformando em lembranças, passando para um campo invisível e intangível, de onde nenhuma ação ou manifestação vem, além da dolorosa saudade.
E é por isso que escrevo essas palavras hoje...
Minha Professora Luzia Laudares prezava muito nossas redações. Todas imperfeitas, com erros de caligrafia, de gramática e de construção de frases. Mas eram lidas por ela com muita atenção; e sempre havia uma palavra de incentivo - não importasse a gravidade dos erros no texto - e a importância que ela demonstrava com todas aquelas mal traçadas linhas me enchia de orgulho!
E suas aulas - sempre ministradas com muito amor - não nos permitia ver o tempo passar naquelas poucas e prazerosas horas na sala de aulas, que se repetiam dia após dia sem nunca cansar.
Hoje, porém, nesta Quinta Feira - 18 de Fevereiro de 2021 - recebo a triste notícia que ela se foi...
Levada pela Covid que tem ceifado tantas e tantas vidas, que tem trazido tristeza aos lares e colocado tantas famílias em luto! E hoje colocou também o meu coração...
Porém, se os dias agora me ficaram um pouco mais cinzas, a noite para mim será sempre mais clara, pois a partir de hoje minha querida Professora do 3º Ano Primário foi morar no céu, junto às estrelas...
Como um tesouro, vou guardar na lembrança nossa interação na Sala de Aulas, seu cumprimento na chegada, sua despedida na saída, sua correção das provas e redações, seus ditados, suas histórias...
Gostaria muito de tê-la visitado, mas quando estive em Guapé há alguns anos, soube que já não morava mais ali, e que agora estava junto aos seus parentes em Belo Horizonte, talvez.
E pela idade e pelo tempo, já tive medo de não poder vê-la mais...
Mesmo assim, através da Soninha (a editora do Jornal Bão de Prosa) eu tive notícias dela.
E graças a Deus e à Soninha também, eu tive a impagável oportunidade de fazer Dona Luzia saber que nunca a esqueci, mesmo se passando tantos anos!
O futuro não é tão previsível como gostaríamos que fosse e não sabemos o dia de amanhã...
Mas caso eu também chegue na minha velhice, e nesse dia eu tenha oportunidade de voltar ao Guapé, quero levar meu futuro neto pelas mãos e com ele passear na Cidade...
Ao passar por certa rua da Cidade Nova, quero estar por um momento em silêncio diante de uma determinada casa...
Talvez já não seja mais como fora antigamente, com as características das casinhas de Furnas, em blocos de concreto... mas de qualquer forma, é um lar que permanece ali, no lugar.
E com meu olhar perdido num passado que meu neto não vai conhecer, absorto nos meus pensamentos e lembranças de criança, quero apontar-lhe esta casa e dizer:
"__Aqui morou Dona Luzia, minha Professora...".

Adeus, Dona Luzia Laudares! Adeus, Professora querida!
Esta é a última Redação que eu faço para a senhora... Sei que se pudesse ler, corrigiria a pontuação e meus erros de construção das frases, naquele seu jeito firme, porém brando e doce, que conquistou tantos dos seus eternos alunos...
Obrigado por fazer parte da minha Infância! Que Deus lhe pague por tudo.
E até um dia, talvez...

Marcelo Lagoa de Almeida