“Nesta rua, nesta
rua, tem um Bosque
Que se chama, que se
chama Solidão...”
A cantiga de roda
com origem no Folclore, já tem o nome de seus compositores perdidos
no tempo.
Mas a cantiga fala
de um Bosque quase vazio (pois dentro dele mora apenas um Anjo) e por
isso tem o nome de Solidão.
Com um quê de
melancolia, imaginávamos quando crianças ao ouvir a canção, um
lugar sombrio, solitário e escuro; uma mistura da natureza dos
pântanos com o silêncio dos cemitérios.
Assim como se perdeu
no tempo o nome do compositor, perdeu-se também a localização
geográfica do Bosque.
Ou não!
Pois quem vai da
"Cidade Velha" para a "Cidade Nova", lá em Guapé, seguindo o caminho
pelas ruas abaixo da Avenida Brasil, passará no trajeto pela Rua
Prof. Ataliba Lago. E seguindo, sobe-se em direção à Cidade Nova
caminhando ao lado da cerca de arames que resguarda a solidão de um
Bosque!
Desde quando mudei
para o Guapé, sei da existência do Bosque. Mas nunca soube a sua
origem: de quem foi o projeto, quem o formou, cercou, pavimentou e
separou-o da cidade com um portão sempre trancado!
Refúgio dos
passarinhos e de muitos animais silvestres, o Bosque formado em sua
maior parte por pequenos pinheiros parece esconder também dentro de
si muitos segredos... Ou, pelo menos, é isto que a imaginação nos
faz crer!
A meio caminho entre
os dois bairros, esse espaço, que é vazio de pessoas mas repleto de
silêncios, algumas vezes foi percorrido pelas pernas infantis de
crianças curiosas, que invadiam-no, à procura de ninhos de
passarinhos e pés de gabiroba. Desrespeitando o Portão, invadíamos
o Bosque. Havia um caminho semioculto por folhas mortas que levavam
na direção de uma praça, ou algo parecido com isso. As lembranças
são difusas porque a gente não se detinha muito tempo por lá.
Quando crianças, temíamos o silêncio e eu tinha medo dos espíritos
do Bosque, que talvez poderiam, na solidão, morar ali...
Se o Bosque era
cercado de um lado (aquele virado para a Rua), ele morria à beira da
Represa no outro extremo, e ainda acabava abruptamente na outra
banda, no precipício do “Buracão”.
Buracão: era outro
lugar tão singular e tão pouco conhecido dos adultos...
Ah!... Dos adultos
sim, porque a molecada do Grupo Primário muitas vezes se aventurava
descendo aqueles barrancos tão altos e conheciam-no palmo a palmo, e
ali brincávamos muitas vezes de pique-esconde, polícia e bandido,
etc. Era um lugar perigoso, de barrancos traiçoeiros, ocultando às
vezes o ninho de cobras, mas as crianças desconhecem o perigo.
Muitas vezes levei para casa o barro colorido daquele lugar
(chamávamos de “tabatinga”). Era barro amarelo, barro rosado,
negro e até mesmo azulado...
Não sei porque o
Bosque era fechado. Nem sei porque nunca terminaram de formá-lo,
pois faltavam bancos e mais caminhos pavimentados, que dessem a ele
um ar de bosque de verdade.
Só sei que era um
Bosque vazio, esquecido das pessoas.
Talvez, com seu
Portão carrancudo e fechado, o Bosque procurasse guardar seu
segredo... Mas que segredo? Talvez tentasse, ao ficar isolado, manter
longe das pessoas o perigo do Buracão!
Hoje moro longe,
muito longe daquele lugar...
Já não sei mais
que fim teve o Bosque, se ainda existe ou não. Só sei que as coisas
mudam. Até o nome das ruas mudam! E assim, se perde no tempo e na
geografia aquilo que existiu no passado!
Mas o Bosque ainda
me lembra uma fase feliz, a idade infantil, quando crianças em
bandos de cinco ou seis, gostávamos de explorar terrenos, brincando,
se aventurando, levando estilingues...
E será que igual na
Cantiga, se este Bosque ainda existir, também guarda dentro de si
algum Anjo?
Também não sei...
E se guarda, então
para mim esse Anjo se chama Saudade, pois a lembrança do Bosque
evoca saudades da Infância... Uma infância em que parte dela ficou
no tempo, junto com o Bosque.
O meu Bosque,
chamado Solidão...
Marcelo Lagoa de
Almeida, 19 de Fevereiro de 2017
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